Cidade de Deus: um dos maiores e mais importantes filmes brasileiros, completa 20 anos – Culturadoria
26 de outubro de 2022Longa de Fernando Meirelles, baseado no livro de Paulo Lins, Cidade de Deus segue como grande representante do cinema brasileiro no mercado internacional
Maria Lacerda | Culturadora
Lançado nos cinemas em 30 de agosto de 2002, Cidade de Deus se tornou uma das melhores e mais importantes produções do audiovisual brasileiro. Neste ano de 2022, o longa completa 20 anos.
O filme de Fernando Meirelles conta a história do crescimento desordenado do conjunto habitacional Cidade de Deus, marcado pelo crime organizado. Focado na história de Buscapé, eternizado por Alexandre Rodrigues, o longa acompanha um jovem que tenta se distanciar da realidade violenta da periferia.
Baseado na obra de Paulo Lins, que cresceu na Cidade de Deus. Em uma entrevista à época do lançamento, Meirelles explicou que queria retratar a vida nas favelas, desconhecidas por muitos brasileiros.
“Ler Cidade de Deus foi uma revelação. Uma revelação de outro lado do meu próprio país. Eu achava que sabíamos tudo sobre o apartheid social que existiu no Brasil, até ler o livro. Eu percebi que nós, da classe média, somos incapazes de ver o que está embaixo dos nossos narizes. Nós não temos ideia do abismo que separa estes dois países: Brasil e brasil.”
Cidade de Deus. Foto: Globo Filmes/Divulgação
Escolha de elenco e improvisos
Sem nenhuma relação com a cultura das favelas do Rio de Janeiro, Meirelles e a co-diretora Katia Lund abriram uma escola de atuação em comunidades cariocas. Não falaram nada sobre possíveis papéis de um filme de verdade. Assim, selecionaram jovens moradores para deixar o longa mais autêntico e representativo.
Em entrevista para o The New York Times, Meirelles revelou que os atores não receberam scripts para o longa. Durante as gravações, as cenas e as intenções dos personagens eram descritas e os atores improvisavam a partir das informações.
Durante a preparação do elenco, a preparadora de elenco Fátima Toledo utilizou técnicas curiosas. Renato de Souza, que interpretou Marreco, intimidou Douglas Silva, o Dadinho (Zé Pequeno), por 15 dias para aumentar a tensão entre os personagens.
Prêmios e reconhecimento
A produção não foi indicada para o Oscar no prazo comum, mas em 2004. Com um grande investimento de um produtor que é uma atual persona non grata de Hollywood, o filme foi relançado e fez sucesso nos cinemas dos Estados Unidos e da Europa. O resultado: quatro indicações à principal premiação do cinema e mais de US$ 30 milhões arrecadados.
Cidade de Deus recebeu indicaçmelhor diretor, melhor roteiro adaptado, melhor edição e melhor fotografia. Apesar de não levar nenhuma das estatuetas no Oscar, o prestígio do longa ficou consolidado. Atualmente, o filme é a segunda produção mais assistida em língua não-inglesa, segundo a plataforma online Preply, ficando atrás do francês Os Intocáveis (2011).
História não tão contada
Os 20 anos do filme contam uma história, não sobre o longa, mas sobre a realidade racista do audiovisual brasileiro. Apesar do reconhecimento mundial, grande parte dos atores – sim, os de pele negra – não se beneficiaram do sucesso, nem dos lucros da produção.
Rodrigues e outros atores revelaram detalhes sobre a falta de oportunidades, mesmo com a visibilidade do longa. “Eles só se lembram de mim para trabalhos que requeiram meu tipo físico específico — ou seja, papéis de negro. (…) Não posso ser hipócrita, sei que consegui trabalhos na Globo por ser negro, como nas novelas Sinhá Moça e Cabocla, quando interpretei escravos”, contou o protagonista.
Leandro Firmino, que interpretou o marcante Zé Pequeno, também seguiu com papéis que reforçam esteriótipos sobre homens negros e violentos. “Eu acho que tem que ter mais negro contando a história do negro”, afirmou o ator.
Douglas Silva, ator indicado ao Emmy, também intérprete de Zé Pequeno, não viu as mesmas oportunidades. “É só você comparar tempo e volume de trabalho de um preto e um branco: qual é o status de cada um? É ruim eu ter precisado de 22 anos de carreira, com filme indicado ao Oscar e indicação ao Emmy, para atingir uma remuneração que eu ache justa”, contou à revista Trip, logo após deixar o BBB 22.
Enquanto isso, Alice Braga e Matheus Nachtergaele encontraram realidades bem diferentes. Ambos atores, coincidentemente – ou não – brancos, conquistaram sucesso em produções nacionais e internacionais, principalmente no caso da sobrinha de Sônia Braga, que despontou em Hollywood.
20 anos depois
Duas décadas depois do lançamento, o longa segue marcado na história do cinema brasileiro e mundial. Além de um dos mais assistidos, o filme já foi nomeado como o sexto melhor de todos os tempos no gênero de ação, pelo The Guardian, em 2010, e mantém avaliações altíssimas entre a crítica especializada.
Emblemático e, inquestionavelmente, bem produzido e editado, o filme foi responsável por falar de uma realidade escondida e muitas vezes esquecida por boa parte do Brasil. Os resultados podem não ter sido – e raramente são – ideais, mas a obra emblemática não deve – nem vai – ser esquecida tão cedo, assim como não foi nos últimos 20 anos.